INTRODUÇÃO
Cabe iniciar esse ensaio dissertando sobre a função
familiar, os mecanismos de defesa utilizados pela família quando descobre que o
filho tem dislexia, a função do pai e da mãe nessa família e qual o impacto que
se vê na criança protagonista do filme. Para isso vamos buscar respaldo na
psicologia e na sociologia para melhor compreender o processo de construção de
família.
O conceito e a função da
família
Buscando em vários teóricos podemos entender que a
família é o primeiro núcleo de convivência social de um indivíduo, no qual
desempenha uma função formativa e determinativa no desenvolvimento
cognitivo-afetivo do indivíduo e no modo como este se situa e interage na
sociedade, mesmo em idade adulta. É através da identificação com os primeiros
“outros significativos” -- mãe, pai e demais membros da família -- e das
reações destes ao seu comportamento que a criança tem seu primeiro contato com
o mundo e aprende a desenvolver os papéis e atitudes essenciais para seu
processo de socialização.
Lacan compreende a família como uma instituição social
de estrutura complexa, que não pode ser reduzida nem a um fato biológico e nem
a um elemento teórico da sociedade, mas uma instituição social privilegiada na
transmissão da cultura. “Entre todos os grupos humanos, a família desempenha um
papel primordial na transmissão da cultura. (...) Com isso, ela preside os
processos fundamentais do desenvolvimento psíquico” (1985, p. 13), esclarecendo
que a família estabelece uma continuidade psíquica entre as gerações, a partir
de uma hereditariedade psicológica e social.
A família é a primeira linha de
defesa especialmente para crianças e um fator importante para sua
sobrevivência, saúde, educação, desenvolvimento e proteção. É também uma
importante fonte de ligação nutrição, emocional e a socialização, é uma ligação
entre continuidade e mudança. Ele tem o maior potencial para proporcionar
estabilidade e suporte quando há problemas. Desenvolvimento humano pode, assim,
ser reforçada, através do enriquecimento da vida familiar (Desai, 1995a).
Refletindo sobre a família
indiana no contexto do filme “Como estrelas na terra”, pode-se pensar em que a
família do protagonista Ishaan se configura em diferentes papéis valorizando
socialmente o status, poder, crescimento, gerando frustação aos outros membros
da família quando Ishaam, o filho mais novo, não corresponde aos padrões
“normais” esperados pela família.
Cabe ressaltar que a família
sendo a estrutura social básica, com entrejogo diferenciado de papéis (pai,
mãe, filhos), integrada por pessoas que convivem por um tempo extenso, em uma
interrelação recíproca com a cultura e a sociedade, dentro da qual o indivíduo
se desenvolve para limitar sua situação narcísica e transformar-se em um adulto
capaz, pode-se dizer que a função da família é ensinar o indivíduo a defender a
vida, ou seja, cabe a família ensinar o cuidado físico, as relações familiares,
sociais, sentimentais, atividades produtivas e recreativas, inserção
profissional e como formar e consolidar uma nova família. Por fim é a família a
responsável por ajudar no desenvolvimento da personalidade da criança para que
se torne um adulto capaz na sociedade, fisicamente e psicologicamente.
Dinâmica entre a família à luz do filme “Como estrelas na terra”
Enquanto aguardamos o nascimento de um filho,
idealizamos como ele será. Depositamos todos os nossos sonhos na criança
aguardada. Definimos mentalmente sua beleza, a cor de seus cabelos e, atendendo
nossa ansiedade, até mesmo compramos os brinquedos que acreditamos que ele
preferira, até então as coisas vão bem quando a família se depara com algo fora
do esperado (sempre estamos esperando o melhor de nossos filhos). Foi isso que
aconteceu no filme: Como estrelas na terra: toda criança é especial.
O pai de Ishaan, um homem sério e rígido, debruçado
sobre o trabalho, valorizava muito o sucesso e esperava que seus filhos
pudessem ser muito bem sucedidos quando adultos. Seu filho mais velho
correspondia a essa expectativa com uma vida escolar brilhante, projetando-se
inclusive nos esportes. O filho mais novo, Ishaan, andava na contramão quando o
assunto era boletim escolar. Sem amigos, ficava na companhia de seus
pensamentos e imaginações, num mundo muito mais confortável do que aquele em
que vivia, onde ninguém conseguia lhe compreender. Cansado de receber
reclamações e notas baixas de seu filho caçula, o pai de Ishaan acreditava que
o problema do garoto era a falta de disciplina, a falta de vontade em
dedicar-se aos estudos e que isso poderia ser resolvido mandando-o para um
internato. Ishaan, personagem central do filme, tinha dislexia e não conseguia
aprender na escola convencional.
A negação é primeira reação dos pais e podemos notá-la
na demora na busca de uma solução para o bom desempenho do menino. Eles sabiam
que havia algo de errado, pois, a mãe acompanhava de perto as dificuldades do
filho, quando o auxiliava nas lições de casa, quando precisava realizar coisas
simples como a escovação de dentes, como o banho, a troca de roupas para ir à
escola...
Diante do desespero, sem perspectiva de melhora, o pai
resolve mandá-lo para o internato, desconsiderando as preocupações da mãe pelo
afastamento de uma criança tão pequena de seus familiares e dela, como
protetora de sua vida. A atitude passiva da mãe era também acompanhada pelo
filho mais velho que, mesmo sofrendo por ver o irmão mais novo ser hostilizado,
permanecia sem se opor ao pai.
As atitudes dos pais de Ishaan revelam alguns
mecanismos de defesa comuns na maioria dos pais com crianças especiais. Diante
da idealização de um filho perfeito e bem sucedido, o pai do menino racionaliza
o fracasso de seu filho jogando-lhe a culpa pelo seu insucesso, como se a
criança intencionasse notas baixas e descaso pelos apelos de empenho de
professores e familiares. A ideia de que o filho é uma produção defeituosa é
muito dolorosa.
Vivendo essa família na Índia, país mergulhado em crenças, superstições,
rituais, com muitas tradições familiares e sociais, e depois de ter tido a
sorte de ter dois meninos (coisa muito valorizada num país que dá preferência a
crianças do sexo masculino, desprezando as meninas) e descobrindo que um deles
tem um problema que precisa ser escondido de uma sociedade marcada fortemente
pela posição social, não é difícil para compreendermos o comportamento dos pais
de Ishaan que, mesmo sofrendo, não conseguiam superar este problema cultural,
diretamente relacionado, mais a uma herança histórica, do que à vaidade e ao
orgulho em si. Existia a preocupação com as atitudes das outras pessoas. “O que
as pessoas vão pensar? O que os outros vão dizer?”, “Como sobreviverá num lugar
onde se vive pela competência e pela competição na busca de bons resultados?”.
Como lidar com uma realidade não planejada e desafiadora?
Questões perturbadoras acompanhadas do sentimento de culpa como: “porque
isso foi acontecer comigo?” ou “onde foi que eu errei”, fizeram parte do
repertório da mãe de Ishaan que, como a maioria das mulheres indianas, não
questionava a autoridade de seu marido e jamais interferia em suas decisões.
A sensação de impotência aparece quando os pais encontraram-se confusos, perdidos, querendo
ajudar o filho, procurando uma escola melhor, o melhor profissional, o melhor
método. Muitas vezes os pais querem fazer, agir, mas não sabem como e nem por
onde começar. Buscam opiniões e conselhos de profissionais, e no filme, eles se
depararam com um internato que lhes prometeu “domar” e disciplinar Ishaan,
assim como se faz com cavalos.
Depois de enviarem seu filho para o internato, Ishaan teve a sorte de
encontrar um professor atento e disposto a ajudá-lo e depois de contatar a
família do menino e, tendo explicado e provado através de seus cadernos que o
problema do menino se tratava de dislexia, pai e mãe experimentaram outro
sentimento: a confusão, quando refletiam como e onde poderiam procurar uma
solução e se haveria ajuda.
Tanto o pai como a mãe do menino tiveram a sensação de que poderiam ter
percebido antes, ter procurado um diagnóstico mais cedo. Sentiram-se culpados
por terem cobrado demais, exigido um desempenho maior, ou porque julgaram o
comportamento do filho como preguiça e falta de interesse pelos estudos.
Num trecho do filme, o pai de Ishaan, visita seu
professor para lhe dizer que eles, pais amorosos, estavam se preocupando com o
filho e que sua esposa havia pesquisado tudo sobre dislexia. Uma atitude que
demonstra o quanto esse pai se sentia culpado tanto pelos maus-tratos como pelo
afastamento de Ishaan do lar e da família. O desenrolar do filme, revela que quando bem assistida, a criança
disléxica pode ter uma vida escolar com excelentes resultados, respeitando-se o
ritmo da criança e valendo-se de métodos auxiliares, para obtenção da
aprendizagem e de uma vida normal.
Antes da aceitação e para que os pais de Ishaan pudessem lidar com esse
“novo filho”, tiveram que “matar” dentro de si ou, passar por um processo de
luto, de perda do filho, que foi acompanhado de depressão e tristeza em muitos
momentos, abandonando aquela criança idealizada, aquela criança perfeita e tão
competitiva que sonharam, para que pudessem receber esse novo e real Ishaan,
com limitações, mas com perspectivas possíveis diante de um mundo repleto de
opções de trabalho e realizações profissionais.
A familia fracassa?
“O vínculo familiar, em seus
aspectos biológicos (o cordão umbilical), social (o grupo familiar e suas
responsabilidades, inclusive legais) e afetivo (o acolhimento) é condição para
o crescimento e desenvolvimento global da criança. Não existe possibilidade de
sobrevivência física e psíquica no desamor.
As doenças mentais e mesmo as
físicas, em crianças pequenas, denunciam, a fragilidade de vínculos familiares,
a dificuldade dos adultos em criar um ambiente familiar estável e seguro,
amoroso. Abordar a importância desde elo de ligação, o vínculo, é dizer que
sempre existe ou deve existir um outro
significativo que lhe assegura as condições de vida, de crescimento e
desenvolvimento (senão a criança adoece, morre). Nessa perspectiva, é
necessário dizer que o vínculo tem mão dupla para ser significativo, ou seja, a
criança também é importante para os pais, muda suas vidas, ocupa-os. Aliás, por
serem as crianças importantes para os pais é que estes tornam-se importantes
para eles”. (BOCK, 2001, p.254)
Ao analisar as considerações
feitas acima sobre vínculo familiar e o filme “Como Estrelas na Terra”, podemos
dizer que a família do menino Ishaan Awasthi não fracassa, pois em várias cenas
podemos perceber o amor e carinho que os pais têm para com o menino, portanto
percebemos que o vínculo familiar existe. Consideramos que todas as medidas
tomadas pelos pais quando foram informados das dificuldades de aprendizagem do
menino; sua internação e até a rigidez com que o pai principalmente passa a tratá-lo
deve-se ao fato do desconhecimento das dificuldades reais do menino Ishaan.
Quando
diagnosticado a dislexia do garoto e suas particularidades, a família fica
abalada inicialmente, pois tudo o que haviam sonhado para aquele filho é
ameaçado, percebemos em algumas passagens do filme o desespero do pai em
relação ao futuro do garoto, com dúvidas e questionamentos, ao mesmo tempo
vemos um certo arrependimento da parte dos pais por muitas atitudes tomadas em relação ao filho
como se este fosse uma criança rebelde e sem vontade de aprender. Enfim, o
filme mostra que a família em questão apresenta uma estrutura forte, com
vínculos de amor, compreensão e principalmente a busca incessante da melhora do
filho, fatores importantes para o desenvolvimento do menino.
CONCLUSÃO
A família tem uma predileção importante e fundamental
na vida das crianças e sob este enfoque a psicanálise entende a família como
uma estrutura responsável pela transmissão e inserção do infans na cultura. Nesse
sentido, cumpre a função fundamental de inscrição da criança no universo
simbólico através das funções parentais.
A relação familiar,
ao longo dos anos, vem se caracterizando e modificando como estrutura e enfoque
social e neste âmbito as mulheres (mães), com o passar do tempo, passam a ser
consideradas guardiãs da moral e a influência materna passou a ser um recurso
contra os problemas de ordem pública e privada. A crescente privatização do
espaço público produziu um novo ideal doméstico, primeiramente utilizado pelas
mulheres como uma tentativa de afirmação de sua própria autoridade através de
sua influência materna.
Já a função fraterna, de acordo com Kehl (2000), é entendida
a partir de três eixos: primeiro, a constatação para a criança, da semelhança
na diferença introduzida pelo irmão em seu campo narcísico, que o força a uma
reelaboração da relação especular com o eu ideal e constitui para o eu um
objeto ao mesmo tempo de ciúme, de interesse, de ódio e de identificação.
“Não há como
evitar: a mulher, como mãe, encontra-se na origem da ‘guerra dos sexos’ que
ocorre no inconsciente dos homens. Em nome da ‘mãe excessivamente presente’ e
do ‘pai ausente’, ela está também na origem da relação de amor-ódio que as
mulheres têm entre si mesmas. Sua função de educadora é sempre marcada por ‘ter
mãe demais ou de menos” (ROUDINESCO, 2003, p.103)
Essas representações da obra freudiana caracterizadas
como “hierárquicas” de valores entre paternidade e maternidade, em que o pai dá
seu nome ao filho que se torna seu herdeiro, cabendo à mãe a primazia da vida
sensorial com a criança. Dessa forma, na obra freudiana, a mulher está ligada
ora à maternidade, ora à morte, já que ela seria a única que transmitiria ao
filho a relação entre vida e morte.
Neste ensejo familiar, Lacan compreende a mesma como
uma instituição social de estrutura complexa, que não pode ser reduzida nem a
um fato biológico e nem a um elemento teórico da sociedade, mas uma instituição
social privilegiada na transmissão da cultura. “Entre todos os grupos humanos,
a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura e com isso,
ela preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico” (1985, p.
13), esclarecendo que a família estabelece uma continuidade psíquica entre as
gerações, a partir de uma hereditariedade psicológica e social.
Portanto, a família independente de sua configuração
fenomenológica, mas como estrutura discursiva, é a matriz simbólica fundamental
à constituição do sujeito, já que é a partir dela que serão transmitidos os
interditos necessários à cultura. Assim, a família pode ser considerada uma
instituição humana universal, na medida em que é sobre ela que repousam as
bases da ordem social.
Embasados por esse arsenal teórico, acreditamos que a
família não fracassa, pois ela é o primeiro grupo social em que a criança
começa a interagir, aprender e onde busca as primeiras referências no que diz respeito
aos valores culturais, emocionais etc. Ela interfere no desenvolvimento e no
bem estar de todos os seus membros.
A família desempenha um papel primordial na
transmissão da cultura, se sobressaindo de todos os grupos humanos. É nela que
o indivíduo recebe a primeira educação e aprende a reprimir seus instintos mais
primitivos. Na educação primária, a família é responsável pelo modelo que a
criança terá em termos de conduta no desempenho de seus papéis sociais e das
normas e valores que controlam tais papeis.
Sob o enfoque do filme, a forma como Ishaan é tratado
pelos pais influenciará muito em seu processo de ensino-aprendizagem, a negação
dos pais em aceitar a dislexia do filho e a procurar um especialista para que
ele pudesse levar uma vida normal tem peso forte na vida escolar e social do
filho, pois o mesmo se sentirá diferente dos demais, não terá vontade de ir à
escola, não sentirá prazer em nada referente aos estudos, fato que ocasionará
sua defasagem. Mas não é o diagnóstico de dislexia que abre portas para Ishaan,
e sim a parceria estabelecida entre o professor-mediador e o aluno. A partir
dela, fica fácil aprender, abrir canais para ler, escrever e lidar com os
números.
De acordo com SCOZ (1994, p. 71 e 173), a influência
familiar é decisiva na aprendizagem dos alunos. Os filhos de pais extremamente
ausentes vivenciam sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando
desconfiança, insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos à
aprendizagem escolar. O contato com a família pode trazer informações sobre
fatores que interferem na aprendizagem e apontar os caminhos mais adequados
para ajudar a criança. Também torna possível orientar aos pais para que
compreendam a enorme influência das relações familiares no desenvolvimento dos
filhos.
REFERÊNCIAS
BOCK, Ana Maria; Psicologias:
uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
SONAWAT, Reeta. Understanding families in
India: a reflection of societal changes. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v.
17, n. 2, Aug. 2001 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722001000200010&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 14 de julho de 2011. – Traduzido no Google.
SONAWAT, Reeta. Understanding families in
India: a reflection of societal changes. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v.
17, n. 2, Aug. 2001 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722001000200010&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em 14 de julho de 2011. – Traduzido no Google.