sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Família à luz do filme "Como estrelas na Terra"


INTRODUÇÃO

Cabe iniciar esse ensaio dissertando sobre a função familiar, os mecanismos de defesa utilizados pela família quando descobre que o filho tem dislexia, a função do pai e da mãe nessa família e qual o impacto que se vê na criança protagonista do filme. Para isso vamos buscar respaldo na psicologia e na sociologia para melhor compreender o processo de construção de família.

O conceito e a função da família

Buscando em vários teóricos podemos entender que a família é o primeiro núcleo de convivência social de um indivíduo, no qual desempenha uma função formativa e determinativa no desenvolvimento cognitivo-afetivo do indivíduo e no modo como este se situa e interage na sociedade, mesmo em idade adulta. É através da identificação com os primeiros “outros significativos” -- mãe, pai e demais membros da família -- e das reações destes ao seu comportamento que a criança tem seu primeiro contato com o mundo e aprende a desenvolver os papéis e atitudes essenciais para seu processo de socialização[1].

Lacan compreende a família como uma instituição social de estrutura complexa, que não pode ser reduzida nem a um fato biológico e nem a um elemento teórico da sociedade, mas uma instituição social privilegiada na transmissão da cultura. “Entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura. (...) Com isso, ela preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico” (1985, p. 13), esclarecendo que a família estabelece uma continuidade psíquica entre as gerações, a partir de uma hereditariedade psicológica e social.[2]

A família é a primeira linha de defesa especialmente para crianças e um fator importante para sua sobrevivência, saúde, educação, desenvolvimento e proteção. É também uma importante fonte de ligação nutrição, emocional e a socialização, é uma ligação entre continuidade e mudança. Ele tem o maior potencial para proporcionar estabilidade e suporte quando há problemas. Desenvolvimento humano pode, assim, ser reforçada, através do enriquecimento da vida familiar (Desai, 1995a).[3]

Refletindo sobre a família indiana no contexto do filme “Como estrelas na terra”, pode-se pensar em que a família do protagonista Ishaan se configura em diferentes papéis valorizando socialmente o status, poder, crescimento, gerando frustação aos outros membros da família quando Ishaam, o filho mais novo, não corresponde aos padrões “normais” esperados pela família.
Cabe ressaltar que a família sendo a estrutura social básica, com entrejogo diferenciado de papéis (pai, mãe, filhos), integrada por pessoas que convivem por um tempo extenso, em uma interrelação recíproca com a cultura e a sociedade, dentro da qual o indivíduo se desenvolve para limitar sua situação narcísica e transformar-se em um adulto capaz, pode-se dizer que a função da família é ensinar o indivíduo a defender a vida, ou seja, cabe a família ensinar o cuidado físico, as relações familiares, sociais, sentimentais, atividades produtivas e recreativas, inserção profissional e como formar e consolidar uma nova família. Por fim é a família a responsável por ajudar no desenvolvimento da personalidade da criança para que se torne um adulto capaz na sociedade, fisicamente e psicologicamente.

Dinâmica entre a família à luz do filme “Como estrelas na terra”

Enquanto aguardamos o nascimento de um filho, idealizamos como ele será. Depositamos todos os nossos sonhos na criança aguardada. Definimos mentalmente sua beleza, a cor de seus cabelos e, atendendo nossa ansiedade, até mesmo compramos os brinquedos que acreditamos que ele preferira, até então as coisas vão bem quando a família se depara com algo fora do esperado (sempre estamos esperando o melhor de nossos filhos). Foi isso que aconteceu no filme: Como estrelas na terra: toda criança é especial.

O pai de Ishaan, um homem sério e rígido, debruçado sobre o trabalho, valorizava muito o sucesso e esperava que seus filhos pudessem ser muito bem sucedidos quando adultos. Seu filho mais velho correspondia a essa expectativa com uma vida escolar brilhante, projetando-se inclusive nos esportes. O filho mais novo, Ishaan, andava na contramão quando o assunto era boletim escolar. Sem amigos, ficava na companhia de seus pensamentos e imaginações, num mundo muito mais confortável do que aquele em que vivia, onde ninguém conseguia lhe compreender. Cansado de receber reclamações e notas baixas de seu filho caçula, o pai de Ishaan acreditava que o problema do garoto era a falta de disciplina, a falta de vontade em dedicar-se aos estudos e que isso poderia ser resolvido mandando-o para um internato. Ishaan, personagem central do filme, tinha dislexia e não conseguia aprender na escola convencional.

A negação é primeira reação dos pais e podemos notá-la na demora na busca de uma solução para o bom desempenho do menino. Eles sabiam que havia algo de errado, pois, a mãe acompanhava de perto as dificuldades do filho, quando o auxiliava nas lições de casa, quando precisava realizar coisas simples como a escovação de dentes, como o banho, a troca de roupas para ir à escola...

Diante do desespero, sem perspectiva de melhora, o pai resolve mandá-lo para o internato, desconsiderando as preocupações da mãe pelo afastamento de uma criança tão pequena de seus familiares e dela, como protetora de sua vida. A atitude passiva da mãe era também acompanhada pelo filho mais velho que, mesmo sofrendo por ver o irmão mais novo ser hostilizado, permanecia sem se opor ao pai.

As atitudes dos pais de Ishaan revelam alguns mecanismos de defesa comuns na maioria dos pais com crianças especiais. Diante da idealização de um filho perfeito e bem sucedido, o pai do menino racionaliza o fracasso de seu filho jogando-lhe a culpa pelo seu insucesso, como se a criança intencionasse notas baixas e descaso pelos apelos de empenho de professores e familiares. A ideia de que o filho é uma produção defeituosa é muito dolorosa.

Vivendo essa família na Índia, país mergulhado em crenças, superstições, rituais, com muitas tradições familiares e sociais, e depois de ter tido a sorte de ter dois meninos (coisa muito valorizada num país que dá preferência a crianças do sexo masculino, desprezando as meninas) e descobrindo que um deles tem um problema que precisa ser escondido de uma sociedade marcada fortemente pela posição social, não é difícil para compreendermos o comportamento dos pais de Ishaan que, mesmo sofrendo, não conseguiam superar este problema cultural, diretamente relacionado, mais a uma herança histórica, do que à vaidade e ao orgulho em si. Existia a preocupação com as atitudes das outras pessoas. “O que as pessoas vão pensar? O que os outros vão dizer?”, “Como sobreviverá num lugar onde se vive pela competência e pela competição na busca de bons resultados?”. Como lidar com uma realidade não planejada e desafiadora?

Questões perturbadoras acompanhadas do sentimento de culpa como: “porque isso foi acontecer comigo?” ou “onde foi que eu errei”, fizeram parte do repertório da mãe de Ishaan que, como a maioria das mulheres indianas, não questionava a autoridade de seu marido e jamais interferia em suas decisões.

A sensação de impotência aparece quando os pais encontraram-se confusos, perdidos, querendo ajudar o filho, procurando uma escola melhor, o melhor profissional, o melhor método. Muitas vezes os pais querem fazer, agir, mas não sabem como e nem por onde começar. Buscam opiniões e conselhos de profissionais, e no filme, eles se depararam com um internato que lhes prometeu “domar” e disciplinar Ishaan, assim como se faz com cavalos.

Depois de enviarem seu filho para o internato, Ishaan teve a sorte de encontrar um professor atento e disposto a ajudá-lo e depois de contatar a família do menino e, tendo explicado e provado através de seus cadernos que o problema do menino se tratava de dislexia, pai e mãe experimentaram outro sentimento: a confusão, quando refletiam como e onde poderiam procurar uma solução e se haveria ajuda.
Tanto o pai como a mãe do menino tiveram a sensação de que poderiam ter percebido antes, ter procurado um diagnóstico mais cedo. Sentiram-se culpados por terem cobrado demais, exigido um desempenho maior, ou porque julgaram o comportamento do filho como preguiça e falta de interesse pelos estudos.

Num trecho do filme, o pai de Ishaan, visita seu professor para lhe dizer que eles, pais amorosos, estavam se preocupando com o filho e que sua esposa havia pesquisado tudo sobre dislexia. Uma atitude que demonstra o quanto esse pai se sentia culpado tanto pelos maus-tratos como pelo afastamento de Ishaan do lar e da família. O desenrolar do filme, revela que quando bem assistida, a criança disléxica pode ter uma vida escolar com excelentes resultados, respeitando-se o ritmo da criança e valendo-se de métodos auxiliares, para obtenção da aprendizagem e de uma vida normal.

Antes da aceitação e para que os pais de Ishaan pudessem lidar com esse “novo filho”, tiveram que “matar” dentro de si ou, passar por um processo de luto, de perda do filho, que foi acompanhado de depressão e tristeza em muitos momentos, abandonando aquela criança idealizada, aquela criança perfeita e tão competitiva que sonharam, para que pudessem receber esse novo e real Ishaan, com limitações, mas com perspectivas possíveis diante de um mundo repleto de opções de trabalho e realizações profissionais.

A familia fracassa?

“O vínculo familiar, em seus aspectos biológicos (o cordão umbilical), social (o grupo familiar e suas responsabilidades, inclusive legais) e afetivo (o acolhimento) é condição para o crescimento e desenvolvimento global da criança. Não existe possibilidade de sobrevivência física e psíquica no desamor. 
As doenças mentais e mesmo as físicas, em crianças pequenas, denunciam, a fragilidade de vínculos familiares, a dificuldade dos adultos em criar um ambiente familiar estável e seguro, amoroso. Abordar a importância desde elo de ligação, o vínculo, é dizer que sempre existe ou deve existir um outro significativo que lhe assegura as condições de vida, de crescimento e desenvolvimento (senão a criança adoece, morre). Nessa perspectiva, é necessário dizer que o vínculo tem mão dupla para ser significativo, ou seja, a criança também é importante para os pais, muda suas vidas, ocupa-os. Aliás, por serem as crianças importantes para os pais é que estes tornam-se importantes para eles”. (BOCK, 2001, p.254)

Ao analisar as considerações feitas acima sobre vínculo familiar e o filme “Como Estrelas na Terra”, podemos dizer que a família do menino Ishaan Awasthi não fracassa, pois em várias cenas podemos perceber o amor e carinho que os pais têm para com o menino, portanto percebemos que o vínculo familiar existe. Consideramos que todas as medidas tomadas pelos pais quando foram informados das dificuldades de aprendizagem do menino; sua internação e até a rigidez com que o pai principalmente passa a tratá-lo deve-se ao fato do desconhecimento das dificuldades reais do menino Ishaan. 
Quando diagnosticado a dislexia do garoto e suas particularidades, a família fica abalada inicialmente, pois tudo o que haviam sonhado para aquele filho é ameaçado, percebemos em algumas passagens do filme o desespero do pai em relação ao futuro do garoto, com dúvidas e questionamentos, ao mesmo tempo vemos um certo arrependimento da parte dos pais por  muitas atitudes tomadas em relação ao filho como se este fosse uma criança rebelde e sem vontade de aprender. Enfim, o filme mostra que a família em questão apresenta uma estrutura forte, com vínculos de amor, compreensão e principalmente a busca incessante da melhora do filho, fatores importantes para o desenvolvimento do menino.

CONCLUSÃO

A família tem uma predileção importante e fundamental na vida das crianças e sob este enfoque a psicanálise entende a família como uma estrutura responsável pela transmissão e inserção do infans na cultura. Nesse sentido, cumpre a função fundamental de inscrição da criança no universo simbólico através das funções parentais.

A relação familiar, ao longo dos anos, vem se caracterizando e modificando como estrutura e enfoque social e neste âmbito as mulheres (mães), com o passar do tempo, passam a ser consideradas guardiãs da moral e a influência materna passou a ser um recurso contra os problemas de ordem pública e privada. A crescente privatização do espaço público produziu um novo ideal doméstico, primeiramente utilizado pelas mulheres como uma tentativa de afirmação de sua própria autoridade através de sua influência materna.

Já a função fraterna, de acordo com Kehl (2000), é entendida a partir de três eixos: primeiro, a constatação para a criança, da semelhança na diferença introduzida pelo irmão em seu campo narcísico, que o força a uma reelaboração da relação especular com o eu ideal e constitui para o eu um objeto ao mesmo tempo de ciúme, de interesse, de ódio e de identificação.

“Não há como evitar: a mulher, como mãe, encontra-se na origem da ‘guerra dos sexos’ que ocorre no inconsciente dos homens. Em nome da ‘mãe excessivamente presente’ e do ‘pai ausente’, ela está também na origem da relação de amor-ódio que as mulheres têm entre si mesmas. Sua função de educadora é sempre marcada por ‘ter mãe demais ou de menos” (ROUDINESCO, 2003, p.103)

Essas representações da obra freudiana caracterizadas como “hierárquicas” de valores entre paternidade e maternidade, em que o pai dá seu nome ao filho que se torna seu herdeiro, cabendo à mãe a primazia da vida sensorial com a criança. Dessa forma, na obra freudiana, a mulher está ligada ora à maternidade, ora à morte, já que ela seria a única que transmitiria ao filho a relação entre vida e morte.

Neste ensejo familiar, Lacan compreende a mesma como uma instituição social de estrutura complexa, que não pode ser reduzida nem a um fato biológico e nem a um elemento teórico da sociedade, mas uma instituição social privilegiada na transmissão da cultura. “Entre todos os grupos humanos, a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura e com isso, ela preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico” (1985, p. 13), esclarecendo que a família estabelece uma continuidade psíquica entre as gerações, a partir de uma hereditariedade psicológica e social.

Portanto, a família independente de sua configuração fenomenológica, mas como estrutura discursiva, é a matriz simbólica fundamental à constituição do sujeito, já que é a partir dela que serão transmitidos os interditos necessários à cultura. Assim, a família pode ser considerada uma instituição humana universal, na medida em que é sobre ela que repousam as bases da ordem social.

Embasados por esse arsenal teórico, acreditamos que a família não fracassa, pois ela é o primeiro grupo social em que a criança começa a interagir, aprender e onde busca as primeiras referências no que diz respeito aos valores culturais, emocionais etc. Ela interfere no desenvolvimento e no bem estar de todos os seus membros.
A família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura, se sobressaindo de todos os grupos humanos. É nela que o indivíduo recebe a primeira educação e aprende a reprimir seus instintos mais primitivos. Na educação primária, a família é responsável pelo modelo que a criança terá em termos de conduta no desempenho de seus papéis sociais e das normas e valores que controlam tais papeis.

Sob o enfoque do filme, a forma como Ishaan é tratado pelos pais influenciará muito em seu processo de ensino-aprendizagem, a negação dos pais em aceitar a dislexia do filho e a procurar um especialista para que ele pudesse levar uma vida normal tem peso forte na vida escolar e social do filho, pois o mesmo se sentirá diferente dos demais, não terá vontade de ir à escola, não sentirá prazer em nada referente aos estudos, fato que ocasionará sua defasagem. Mas não é o diagnóstico de dislexia que abre portas para Ishaan, e sim a parceria estabelecida entre o professor-mediador e o aluno. A partir dela, fica fácil aprender, abrir canais para ler, escrever e lidar com os números.

De acordo com SCOZ (1994, p. 71 e 173), a influência familiar é decisiva na aprendizagem dos alunos. Os filhos de pais extremamente ausentes vivenciam sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando desconfiança, insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos à aprendizagem escolar. O contato com a família pode trazer informações sobre fatores que interferem na aprendizagem e apontar os caminhos mais adequados para ajudar a criança. Também torna possível orientar aos pais para que compreendam a enorme influência das relações familiares no desenvolvimento dos filhos.



REFERÊNCIAS

BOCK, Ana Maria; Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.

GLAT, Rosana. Uma família presente e participativa: o papel da família no desenvolvimento e inclusão social da pessoa com necessidades especiais. Disponível em: www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br/livros_artigos/pdf/familia.pdf. Acesso em 14 de julho de 2011.

KAMERS, Michele. The new configurations of the family and the symbolic statute of the parental functions. Estilos clin.,  São Paulo,  v. 11,  n. 21, dez.  2006 .   Disponível em http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282006000200008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  14  jul.  2011.

SONAWAT, Reeta. Understanding families in India: a reflection of societal changes. Psic.: Teor. e Pesq.,  Brasília,  v. 17,  n. 2, Aug.  2001 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722001000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 14 de julho de 2011. – Traduzido no Google.


[1] GLAT, Rosana. Uma família presente e participativa: o papel da família no desenvolvimento e inclusão social da pessoa com necessidades especiais. Disponível em: www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br/livros_artigos/pdf/familia.pdf. Acesso em 14 de julho de 2011.
[2] KAMERS, Michele. The new configurations of the family and the symbolic statute of the parental functions. Estilos clin.,  São Paulo,  v. 11,  n. 21, dez.  2006 .   Disponível em http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282006000200008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  14  jul.  2011.

[3] SONAWAT, Reeta. Understanding families in India: a reflection of societal changes. Psic.: Teor. e Pesq.,  Brasília,  v. 17,  n. 2, Aug.  2001 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722001000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 14 de julho de 2011. – Traduzido no Google.

Um comentário:

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